PSICANÁLISE E A CURA NA ATUALIDADE

 

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICANÁLISE CLÍNICA

 

 

 

ANA PAULA DE SOUZA VERAS

ANTONIO MARCELO CAMPOS

FELIPE ALVES DOS SANTOS
IRAJARA NILVON GLATT

JOANA FÁTIMA DE LIMA PAIVA
SILENE MARTINS NUNES

 

 

 

 

PSICANÁLISE E A CURA NA ATUALIDADE

  

                                                              

                                                                      

     2024

 

Palavras-chaves: Psicanálise; A cura; Atualidade; Efetividade; Metodologias.

 

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A cura no surgimento da Psicanálise. 3. Outras propostas de cura. 4. Desafios contemporâneos e proposta terapêutica. 4.1. A fadiga enquanto recorte contemporâneo. 4.2. A mulher na atualidade e na clínica. 5. Considerações finais. 6. Referências.

 

INTRODUÇÃO

Há mais de um século desde o início da psicanálise, permanece a questão sobre as mudanças na compreensão do sofrimento psíquico e o papel da cura na clínica psicanalítica. Os psicanalistas adaptam e redefinem conceitos com base em sua prática clínica, renovando conceitos fundamentais.

Desde Freud, que pioneiramente deu escuta às angústias de suas pacientes histéricas, as diretrizes condicionais foram desenvolvidas em diferentes escolas psicanalíticas na Europa, e, posteriormente, nas Américas. Os diagnósticos clínicos, à luz do sofrimento psíquico contemporâneo, incorporam variantes sociais e culturais, uma vez que o sujeito não é imune ao contexto que o envolve.

O presente artigo busca explorar o desenvolvimento teórico do conceito de cura na psicanálise, especificamente na clínica contemporânea. Para essa tarefa percorremos a elaboração freudiana, passando por desenvolvimentos históricos posteriores, até chegar à contemporaneidade e situações clínicas exemplares.

 

A CURA NO SURGIMENTO DA PSICANÁLISE

A publicação da Interpretação dos Sonhos marca o surgimento da psicanálise, que, nas palavras de Sigmund Freud (1926), “não brotou das rochas nem caiu do céu”. A psicanálise nasce a partir de influências prévias, mas também marca distinções entre os campos que a precederam.

Sigmund Freud nasceu em 1856, na região da Morávia, atual República Tcheca. Criado em Viena desde os 4 anos, lia Shakespeare e Goethe na infância. Na adolescência, cogitou seguir carreira política, filosofia, ser jurista e, por fim, a medicina. Ingressou na Universidade de Viena em 1873, onde estudou anatomia, biologia, zoologia, fisiologia e se formou médico. Trabalhou na clínica psiquiátrica de Theodor Meynert (1882-83) e estudou com Jean-Martin Charcot no Hospital de Salpetrière em 1885. Em seguida iniciou seu consultório próprio, especializando-se em doenças nervosas (ROUDINESCO, 2014)

Portanto é a partir da neurologia, das ciências médicas, que Freud começa sua formação acadêmica. A neurologia (de neûron, “nervo”, e logia, “estudo”) é uma especialidade da medicina que lida com o diagnóstico e tratamento de condições e doenças relacionadas ao Sistema Nervoso Central (encéfalo e medula espinal), ao Sistema Nervoso Periférico (nervos e músculos), e aos seus envoltórios (meninges). No século XIX, a neurologia era marcada pela primazia dos processos orgânicos, pelo localismo das funções cerebrais, e pelo maior interesse no diagnóstico post mortem, por meio de autópsia.

Em relação ao grande objeto de estudo de Freud para a criação da psicanálise, a histeria foi compreendida como uma classe de neurose com quadro clínico variado: crises emocionais, anestesias, paralisias, fobias, convulsões, dores, globus faríngeo, tosses e outros sintomas. O Manual of Diseases of the Nervous System, um dos principais manuais médicos do século XIX, elaborado por William Gowers (1886-88), indicava que a histeria seria influenciada pela raça e pela civilização, já que praticamente não se tinha registros de histerias em civilizações tidas como bárbaras.

Sobre o desenvolvimento humano desde a infância, podemos observar exacerbada influência no contexto hereditário nas histerias. As causas diretamente ou indiretamente poderiam ser físicas ou mentais, sendo a segunda ter uma evidencia nítida, com destaque a partir das influências morais no destaque sociológico.

Os sintomas eram divididos em duas classes, os contínuos e os paroxísticos. Os primeiros incluem força de vontade defeituosa, autocontrole imperfeito, incapacidade de resistir aos impulsos da inclinação. Os últimos incluem a livre expressão das emoções excessivas, do choro ao riso. Ademais, são incluídos também sintomas sensoriais, motores, e afecções espasmódicas. Esses sintomas que serão objeto dos tratamentos, indicando o que seria a direção da cura na medicina do fim do século XIX.

Além da influência da neurologia, à psicanálise também dialogou com a psiquiatria, e de forma mais próxima em relação aos trabalhos de Jean-Martin Charcot. Charcot havia demonstrado, por meio da hipnose, que os sintomas histéricos não tinham causa orgânica. Também reforçou o entendimento que a histeria não era de exclusividade das mulheres – já que não tinha causa orgânica vinculada a órgãos femininos. Pierre Janet, também atuando com a hipnose, mas com métodos diferentes, investigou o fenômeno da sugestão, e transformou a hipnose em um tratamento de sintomas.

O médico Joseph Breuer passou a utilizar o que ficou conhecido como método catártico. Por meio da hipnose, Breuer procurava identificar uma cena original do sintoma que acometia suas pacientes histéricas. Ao identificar tais cenas, as pacientes reproduziam os afetos que estavam vinculados a tais cenas, e, assim, ab-reagiam a essas representações. Na base teórica dessa proposta terapêutica estão as premissas de que o sintoma manifesto tinha origem psíquica, e que a incapacidade de descarregar um afeto teria potencial patológico. O emblemático caso de Anna O. (Bertha Pappenheim) ilustra o método utilizado por Breuer (FREUD, 1895).

A nova terapêutica proposta pelo método catártico, embrião da psicanálise, desloca o centro gravitacional da cena clínica: em vez do saber se concentrar na figura do médico, o paciente agora é colocado como fonte da verdade. Não é o médico que dirá do que sofre aquele paciente, mas sim o paciente que dirá de si. A partir da fala, e não da observação fria do médico, que os tratamentos catárticos encontravam a remissão dos sintomas. A partir dessa dinâmica que a paciente mais emblemática de Breuer apelida o método catártico de talking cure, cura pela fala.

No entanto, a partir das observações clínicas, Freud identifica que na origem dos sintomas histéricos está um conflito psíquico. O método catártico, a partir da hipnose, não lidava com o conflito em si, mas sim buscava uma rememoração. Sobre o abandono da hipnose e a adoção da livre associação, Freud aponta que “o ganho inestimável era obtermos compreensão de um jogo de forças que no estado hipnótico se ocultava ao observador” (FREUD, 1924). Para onde se desloca o foco do tratamento, neste cenário? Na análise das forças em oposição que constituem o conflito psíquico, fator etiológico das neuroses. Essa atualização sobre o objeto do tratamento leva Freud a conceituar, na fase mais madura de sua teoria, o que seria a cura na psicanálise:

“Pode-se dizer que o objetivo do tratamento é, pela eliminação das resistências e averiguação das repressões do doente, produzir a mais ampla harmonização e fortalecimento do seu Eu, poupar-lhe o dispêndio psíquico em conflitos internos e dele obter o melhor que permitam suas disposições e capacidades, tornando-o, na medida do possível, capaz de trabalhar e de fruir. A remoção dos sintomas não é buscada como objetivo especial, mas resulta quase como um ganho secundário no correto exercício da análise.” (FREUD, 1926)

 

OUTRAS PROPOSTAS DE CURA PARA OUTROS AUTORES

Por meio da leitura de diferentes autores que buscam elucidar o assunto. Observa-se que variações do conceito de cura derivam da própria noção dos diferentes matizes de sofrimentos apresentadas à condição humana em épocas diversas. Ou seja, se nos primórdios da psicanálise Freud dá os passos iniciais pesquisado os casos de histeria, e fundamentando a etiologia das neuroses nos distúrbios sexuais vividos na infância, com o passar do tempo há o surgimento de outros transtornos como:

“[…] neuroses de caráter dos anos 1940 às personalidades narcísicas do pós-guerra, dos quadros ‘borderline’ da década de 1980 às depressões, aos pânicos e anorexias dos anos 2000, há uma variação das modalidades preferenciais de sofrimento”. (DUNKER, 2015 p. 32)

Jacques Lacan, em relação dialética com a teoria freudiana, indica que “o que está em questão na análise nada mais é que a emergência da manifestação do desejo do sujeito” (LACAN, 2010, p.247). Bruce Fink, ao comentar essa passagem, adiciona que o término exitoso da análise qualifica tal desejo, como “um desejo que não se deixa desanimar pelos obstáculos nem dominar pelo Outro, um desejo antes inconsciente que já não se submete à inibição” (FINK, 2018, p.228).

A dificuldade em conceituar objetivamente o conceito de cura, correndo o perigo de enclausurar uma utopia que não reflita a clínica psicanalítica, é observável não só nas mudanças teóricas pelas quais Freud passou, mas também nas mudanças que Lacan propõe em relação a Freud e em relação a suas próprias formulações.

Fink, utilizando contribuições de Jacques Alain-Miller, comenta que Lacan percebeu que o desejo, inclusive, é dado pelo outro. O que haveria de mais fundamental no sujeito seria, portanto, a própria satisfação pulsional. Assim a clínica se orienta não ao imperativo do desejo, mas à transformação das fantasias neuróticas que sustentam seu desejo, dado que tais fantasias impedem a busca da satisfação (FINK, 2018, p.231)

 

DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS E PROPOSTA TERAPÊUTICA

As doenças modernas devem ser compreendidas na condição da complexa relação entre o sujeito e o mundo, refletindo o mal-estar na cultura. Esse cenário está levando muitos indivíduos a sentimentos de desamparo, cansaço, vazio e insuficiência (Ehrenberg, 1998). Para entender melhor o cenário atual, é necessário fazer uma breve incursão pelos estudos de autores das ciências sociais. O sociólogo Lipovetsky (1983) argumenta que na clínica psicanalítica, muitos autores também observam um aumento nos casos que envolvem a perda de criatividade e o uso de defesas primitivas (Roudinesco, 1999; Garcia, 2005; Maciel, 2003).

A suposição aqui é que há uma conexão entre essas duas observações, pois o sujeito na psicanálise se forma em relação ao contexto em que está inserido. Em outras palavras, suspeitamos que as mudanças na sociedade tenham impacto nas configurações psíquicas atuais. A ideia é que as transformações sociais têm consequências no sujeito, e, ao mesmo tempo, o sujeito como influência, criando um intercâmbio constante. Portanto, é importante questionar como a cultura contemporânea afeta os sintomas individuais e sociais, assim como as subjetividades atuais.

 

A fadiga enquanto recorte contemporâneo

Um recorte contemporâneo possível é a reflexão acerca da fadiga na atualidade. A fadiga se manifesta através de dores do corpo, no corpo (em si) e o primeiro cuidado é um encaminhamento para cuidados médicos, vamos analisar esta demanda de um ponto de vista da psicanálise para poder utilizar a análise do atendimento de pacientes com queixa de dores e distinguir do campo da medicina.

A forma que a dor é recebida pelo médico é compreensível pois a medicina trata no campo científico da objetividade, da generalização em que o que realmente importa é o mensurável, o registrável e o observável porque tem a disposição uma enorme gama de procedimentos e medicamentos que podem aliviar os sintomas da dor com o objetivo de eliminá-la. Ao examinar as obras de Freud vemos muitas referências sobre a dor: Representações aflitivas junto com vergonha e autocensura (1893); Diferentes formas de expressar a dor em crianças e adultos (1905); A natureza imperativa da dor (1905/1915); A dor que o paciente resiste em se livrar (1916/1917).

Então, diferentemente da medicina, interessa à psicanálise a relação que o sujeito do inconsciente estabeleceu com a dor, as manifestações da dor são singulares e fogem a padrões predeterminados. A psicanálise vê a dor não como algo unicamente orgânico, mas tem a concepção de que cada sujeito a apresenta de uma forma em que ele a vê, as diferentes formas da sua relação com a dor, sinalizam no corpo um campo de trabalho subjetivo.

Podemos dizer que a dor é uma forma de sofrimento e não se quer abatê-la, pois é do ser humano e só pode se manifestar a partir do momento que ele fala, a dor é como outros signos representados pelo corpo, uma expressão que não conta com outra forma de representação que indica uma área de desconhecimento, e pode ser descoberta por meio da fala e da ampliação dos sentidos que ela proporciona, a psicanálise traz através de perguntas e questões meios em que o sujeito se coloca como agente, subtraindo da função de portador do acometimento, tratando da cura com  mais eficácia.

 

A mulher na atualidade e na clínica

O símbolo sociológico da mulher mudou desde as visões iniciais com dados concretos pelas pacientes histéricas que Freud atendia. Lacan apresentou uma abordagem sobre, debatendo o que é “ser uma mulher” e priorizando a excentricidade de cada indivíduo feminino. Podemos imaginar sobre as alterações nos sintomas produzidos, novos sentimentos ou sensações que a histérica produz e que fala sobre a mudança do papel social da mulher. Expomos dois casos clínicos:

“Primeiro exemplo: mulher, casada, gerente de banco, trinta e nove anos, com sobrepeso excessivo, dorme três ou quatro horas por noite para dar conta do trabalho, dos três filhos, do marido “doente”, da casa, da pós-graduação. A simples pergunta do porquê é que se ocupa de tudo, faz apoiar-se na firme convicção de que era o marido quem não ajudava e não o fato dela não pedir ajuda, pois não acreditava na sua “competência” para fazer as coisas do modo que ela determinava.”

“Segundo exemplo: mulher, casada, profissional liberal, quarenta e quatro anos, duas filhas, obesa. A agenda repleta de clientes em horários os mais inusitados fazem com que ela se prive do convívio familiar, das refeições e dos passeios compartilhados. Ela não tem tempo para comer e por conta disso “disfarça” a fome com chocolates. O seu sucesso profissional é bandido contra o marido como uma arma.”

Há uma ilustração clara destes exemplos acerca da carga emocional e física enfrentada por mulheres modernas. O caráter sacrificial presente no esforço excessivo para equilibrar carreira, família e vida pessoal. Essas mulheres, em sua busca por autonomia, muitas vezes se deparam com a exigência incessante de “fazer tudo” e essa insistência na gestão eficiente do tempo revela a burocratização da vida e a supressão dos desejos em favor das necessidades básicas. A agenda lotada e o constante sentimento de inadequação levam a relações superficiais e a possibilidade de sintomas como depressão, ansiedade (SPA – Síndrome do Pensamento Acelerado). A posição sacrificial da mulher, além da perspectiva de disputa fálica, é explorada em profundidade. A desconfiança nas demonstrações afetivas alheias é ligada à reprodução de relações maternas deficientes, enquanto a busca incessante por reconhecimento reflete uma necessidade constante de validação. No setting analítico há uma missão incessante do analista ao deparar-se com os sintomas produzidos por essas mudanças sociais e os malefícios que trazem para o Eu.

Na prática clínica, a psicanálise continua a ser uma abordagem terapêutica eficaz para uma variedade de condições psicológicas, e busca explorar os conflitos inconscientes, os traumas passados e os padrões repetitivos de pensamento e comportamento que afetam a vida do paciente.

A inspiração da psicanálise é oferecer um entendimento mais acentuado e intenso do eu e de todos os desenvolvimentos psíquicos. Pela livre associação, da interpretação dos sonhos, da resistência do paciente, transferência, contratransferência e muito mais, no mundo da Psicanálise. Ao encontrar o que foi recalcado ou reprimido e promover à consciência, o paciente terá resultados com os conflitos internos e principalmente do inconsciente, buscando saúde mental. A relação na terapia busca desempenhar um papel exacerbadamente importante, permitindo que o paciente explore suas emoções mais profundas e consiga o autoconhecimento.

Essa relação entre terapeuta e paciente é central na psicanálise. A psicanálise pode não ser a única abordagem terapêutica, e sua eficácia pode variar de indivíduo para indivíduo, mas seu legado persiste na formação de terapeutas e na compreensão melhor da mente humana. A ênfase na transferência e contratransferência permite a exploração de dinâmicas emocionais entre o paciente e o terapeuta, o que pode fornecer revelações importantes para o processo terapêutico e o crescimento pessoal.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

          Foi analisado neste artigo toda a evolução histórica, origem da Psicanálise e a cura na atualidade, em seu processo, métodos, procedimentos, com nexo das constantes mutações que sofreram ao longo dos anos eliminando diferenças existentes no contexto do tema, onde a Psicanálise é a principal parte destacada neste trabalho.

        Por meio da exposição histórica, chegamos até o momento atual, da sociedade inserida, com as relações da atualidade, cumprindo mostrar a prática clínica, com embasamento aprofundado teórico. Com isso, o objetivo deste trabalho foi objetivar de forma geral a cura, com especificações concretas e demonstrado de uma forma objetiva e simples para a compreensão de todos.

A psicanálise não é uma abordagem estática; ela evolui e se adaptou ao longo dos anos, não se limitou à estagnação nos estudos de Freud, pelo contrário, autores contemporâneos desempenham um papel crucial no desenvolvimento de novas teorias que expandem e aprimoram o conceito de cura.

Novos métodos, como a psicoterapia de tempo limitado e a terapia psicanalítica breve, surgiram para atender às necessidades dos pacientes que buscam orientações mais específicas e focadas. Ela contribui para uma compreensão mais profunda da mente humana, promove uma abordagem holística na terapia, enfatiza a importância da relação terapêutica e continua a influência na teoria do desenvolvimento e na psicopatologia.

Na contemporaneidade, a significação de cura depende de vários fatores, tais como, contexto social, os objetivos na análise, qual tipo de adoecimento, relação e proposta terapêutica. Quando na atualidade há a necessidade de adaptação aos novos sintomas e desafios do presente, a relação terapêutica é o fator crucial no set analítico. Em suma, a psicanálise depara-se com novos desafios como o de fadiga e também com sintomas de mulheres com altas demandas, cujo seu papel é alterado ao longo das décadas. A busca incessante por autonomia e um papel doador, muitas vezes exaustivo da mulher faz com que novos desafios clínicos permeiem no set.

As recentes transformações econômicas, sociais e culturais exigem que a Psicanálise não seja apenas um posicionamento, mas também uma reflexão por parte de seus profissionais sobre seu método e sua prática. Desde seu início até os dias atuais, a psicanálise testemunhou diversos períodos históricos, atravessando guerras, ditaduras, conquistas de liberdade, transformações globais e desenvolvimento tecnológico. Essas configurações tiveram grande impacto no cenário em que vivemos.

Os conceitos e contribuições de Freud para a construção do método clínico permanecem relevantes, mas é essencial considerar o contexto no qual foram formulados. A revisão dessa construção torna-se crucial para continuar a construir e validar a teoria.

Nesse contexto, destaca-se a importância da reflexão sobre o conceito de cura presente em nossa sociedade, muitas vezes moldado como um ideal a ser realizado com base nos princípios da medicina. É imperativo questionarmos como esse conceito se manifesta na psicanálise contemporânea e seus efeitos sobre ela. Freud reafirma que não é possível uma definição fechada de cura:

“Qualquer linha de investigação que reconheça a transferência e a resistência e os tome como ponto de parada de seu trabalho tem o direito de chamar-se psicanálise, mesmo que chegue a resultados diferentes dos meus” (FREUD apud. LOWENKRON p.73, 2000).

Já segundo Herrmann “a cura não é um ponto, mas uma direção; não é o final, mas o próprio caminho”. Sendo assim, a busca pela cura não deve ser encarada como um objetivo definido, um resultado a ser realizado. Em vez disso, é mais seguro considerá-la como um desdobramento natural de um processo que implica na ampliação do conhecimento, vivências mais profundas e a atribuição de significado psíquico.

O ser humano está constantemente em processo de formação, e qualquer ciência que estagne não conseguirá acompanhar essas mudanças. Portanto hoje, e sempre, será fundamental questionar o lugar da cura na clínica psicanalítica.

 

REFERÊNCIAS

BACKES, C., org. A clínica psicanalítica na contemporaneidade [online]. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2007, 118 p. ISBN 978-85-386-0387-0. Disponível em:<http://books.scielo.org/id/ckhzg/epub/costa-9788538603870.epub>

BIRMAN, J. (1999). Mal-estar na atualidade. A psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira.

COSTA, Ana et al. (2007) “A clínica psicanalítica na contemporaneidade” Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-11382005000100006>

EHRENBERG, A. (2009). O sujeito cerebral. Psicologia Clínica, 21(1), 187-213. (Trabalho original publicado em 2004).

FINK, B. – (2018) “Introdução clínica à psicanálise lacaniana”. São Paulo, Zahar: 2018.

FREUD, S. (1895) “Estudos sobre a histeria”. Em: Sigmund Freud Obras Completas, volume 2. São Paulo: Companhia das Letras, 2023.

FREUD, S. (1924) “Resumo da psicanálise”. Em: Sigmund Freud Obras Completas, volume 16. São Paulo: Companhia das Letras, 2023.

FREUD, S. (1926) “Psicanálise”. Em: Sigmund Freud Obras Completas, volume 17. São Paulo: Companhia das Letras, 2023.

LACAN, J. – (2010) “O seminário, livro 8: a transferência, 1960-1961”. 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

MILLER, J.-A. O inconsciente e o corpo falante. Apresentação do tema do X Congresso da AMP. Conferência pronunciada no IX Congresso da Associação Mundial de Psicanálise. Tradução de Vera Avellar Ribeiro. Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: https://www.ebp.org.brorientacao/oreintacaoo12.asp. Boletim da Escola Brasileira de Psicanálise, ago. 2014

ROUDINESCO, E. – (2014) “Sigmund Freud: na sua época e em nosso tempo”. Rio de Janeiro: Zahar, 2016.

ZIMMERMAN, D.E. – (2007) “Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica: uma abordagem didática” Porto Alegre: Artmed, 2007.

Há 23 anos no mercado, a Associação Brasileira de Psicanálise clínica, tem como missão a difusão do conhecimento, unindo conceitos clássicos com o que há de mais recente no mundo da neurociência

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