Ao longo dos anos, a teoria psicanalítica foi requisitada inúmeras vezes para pensar sobre questões que estão para além do âmbito individual. A teoria é utilizada com o objetivo de pensar o Direito, tal como ele se apresenta atualmente, levando em consideração uma perspectiva sustentada pela teoria psicanalítica. Ao longo desse post você vai conhecer mais sobre a relação Direito x Psicanálise.
O Direito sempre buscou auxílio em outras disciplinas ou ciências, como a Sociologia, a Antropologia, a História e a Psicologia. Com o surgimento da Psicanálise no final do século passado, Freud demonstrou ao mundo a existência do inconsciente. A partir dessa descoberta, o mundo não foi mais o mesmo. O inconsciente produz efeitos e é exatamente a partir desses efeitos que ele é reconhecido. Efeitos que, embora “inconscientes”, repercutem no Direito.
O discurso psicanalítico é muito novo, principalmente se considerado em relação ao discurso jurídico. Desde o início, Freud referiu-se ao discurso jurídico, escrevendo em 1906, o texto A Psicanálise e a Determinação dos Fatos nos Processos Jurídicos. Podemos apreender em vários textos de sua obra elementos que nos remetem a reflexões e concepções mais profundas do Direito como, por exemplo, Totem e Tabu, O Caso Schereber, O Mal-Estar na Civilização e Moisés e o Monoteísmo.
A Psicanálise é essencial para o Direito. Porém, abrange tantas dimensões que não é muito simples fazer essa interlocução entre Direito e Psicanálise, principalmente porque teremos que rever conceitos muito estáveis no campo do Direito. Mas, torna-se necessário e impositivo na contemporaneidade repensar paradigmas e o sujeito do Direito a partir da Psicanálise. A Psicanálise traz para o pensamento jurídico uma contribuição revolucionária com a “descoberta” do sujeito inconsciente.
Mas, afinal, o que o Direito tem a ver com a Psicanálise, ou, qual a contribuição dessa ciência para o Direito?
Segundo Nietzsche, esta seria a questão suprema da filosofia. Nas entrelinhas, pode-se escutar outra questão: o que é a justiça? Servindo-se do sofrimento para questionar a falta de sentido da existência, sua imprevisibilidade absoluta, a tragédia tentou inicialmente encontrar uma justificativa superior e divina.
Esta questão coloca o desejo humano – matéria-prima da psicanálise – de fato e de direito no contexto de seu nascimento, isto é, no contexto trágico de dilaceramento, em que ele pode ser compreendido como desejo impossível. Isto é, ele é precisamente esta relação com a impossibilidade. O desejo seria a impossibilidade que se faz relação, interrogando sempre os limites de suas possibilidades.
Num universo de total indeterminação, manipulado por potências que ele acreditava serem externas a ele, o homem trágico ficava impedido de saber o quanto era responsável por este ou por aquele ato que havia cometido, muitas vezes sem saber, e que era geralmente atribuído a uma falta transgeracional (de ordem religiosa) que se abatia como uma maldição sobre a descendência do
“culpado”. Culpado entre aspas, porque esta culpa trágica nos obriga a problematizar a natureza do homem trágico, o que tornava indecidível a atribuição da culpa e, consequentemente, o grau de responsabilização, resultando o valor da dívida a ser pago por aquela transgressão quase sempre na morte do herói trágico.
O Direito precisa compreender a sociedade, sua cultura, seu tempo, seus momentos e todos os amplos pensamentos intelectuais. Ainda mais na Magistratura. Porquê? O Juiz deve compreender todos os pontos de um sujeito e responsabiliza-ló pelos seus
atos. Compreender o sujeito, seja pela linguagem do direito como nas aulas de CRIMINOLOGIA. Ou pela Psicanálise que luta pela ética, que compreende o desenvolvimento pessoal, social de cada paciente.
Aquele que lida com os excessos, com o que não se submete às regras, com o que escapa ao ordenamento; aquele que lida com os limites que a sociedade não consegue mais impor. A variedade de dificuldades nos relacionamentos humanos tem desaguado no Judiciário que tem sido a única instância capaz de barrar os excessos. Nas queixas endereçadas ao jurídico há sempre algo do gozo devastador a ser distribuído, organizado, regulado.
Mas o juiz tem seus pontos de vulnerabilidade. Com seus valores e crenças, sua subjetividade esbarra em situações que lhe exigem uma tomada de decisão e, muitas vezes, ele se angustia. Ele é solicitado a decidir, mesmo com suas dificuldades. Como bem disse um juiz: “Cada um de nós é um verdadeiro repositório de medos e angústias, ora reais, ora ilusórios. Desde a infância geramos e cultivamos esses temores, incompreensíveis e insondáveis ao nosso próprio entendimento.”
Ser juiz hoje é ter que lidar com a impossibilidade de uma resposta totalmente reparadora, porque não há a sentença ideal que acalme o vazio do ser. É lidar com os conflitos, mesmo sabendo que cada homem é um e deixa aparecer sua marca, seu traço particular que diz respeito ao lugar que ocupa no mundo, às suas escolhas e às suas decisões. Cada homem é passível de responsabilização naquilo que é seu, porque, por nossa posição de sujeito, somos todos responsáveis.
E se tratando de humanos, o arranjado, o pré-definido e o programado não se sustentam e nem tudo é o que parece ser. Precisamos estar abertos aos elementos de novidade e, acima de tudo, sermos críticos para com os modelos impostos pela difusão da psicologia baseada na biologia do comportamento humano que tudo mensura, quantifica e padroniza.
A consciência trágica nasce com a tragédia e só se torna possível quando o plano humano e o divino são bastante distintos para se oporem sem que, entretanto, deixem de parecer inseparáveis. É uma questão que se coloca na tragédia e pela mesma: se esta autonomia, fruto realizado ou consumado de uma separação entre humano e divino, seria possível. Ou se já a partir desta natureza humana grega, trágica, era possível depreender o caráter inarredavelmente alienado do pensar e agir humanos. Como Freud percebeu, apenas uma certa autonomia seria possível, uma certa redenção, através de nossas possibilidades de sublimar nossos daimons.
O pensamento jurídico encontra-se em pleno trabalho de elaboração, tentando realizar a sua própria separação de uma tradição religiosa e de uma reflexão moral, da qual o direito já se havia distinguido, mas não tinha ainda seus limites claramente delimitados, tendo, como uma de suas resultantes, um direito que não está fixado, que se desloca, podendo reverter-se em seu contrário. Ou seja, o homem tenta, entre impotência e vontade de potência, orientar sua ação num universo de valores paradoxais, moventes.
O espetáculo trágico desapropria o homem trágico de um suposto saber/poder do homem sobre a existência quando a tragédia do herói supõe a perda inexorável de qualquer posição e de qualquer determinação previamente garantidas pela enunciação, fazendo com que o personagem trágico seja pego na e pela sua própria palavra. Foi bem este o caso de Édipo ao exigir que a verdade fosse buscada a qualquer preço, fazendo com que se realizasse a peripécia, a inversão (metábole) da situação. Parece-me clara a ressonância do espetáculo trágico ou de luto sob uma experiência de análise.
A Psicanálise interessa ao Direito como um sistema de pensamento e discurso, que desconstrói fórmulas e dogmas jurídicos a partir da compreensão do sujeito do inconsciente, do desejo e da sexualidade. Mais tarde, Lacan traz a noção de gozo, que somados a estes conceitos, forjam a nossa realidade psíquica e são, também, os motores e alavanca do Direito de Família. Foi a psicanálise que trouxe para o Direito de Família a compreensão de que maternidade e paternidade são funções exercidas, fazendo surgir daí novos institutos jurídicos, como guarda compartilhada, alienação parental, abandono afetivo etc. Foi o discurso psicanalítico, a partir das noções de desejo, inconsciente e responsabilidade, que abriu as portas do Direito para introduzir o afeto como valor jurídico, que tornouse o princípio vetor e catalisador de toda organização jurídica das famílias. E a partir daí pôde-se
substituir o discurso de culpa, tão paralisante do sujeito, pelo da responsabilidade. Compreender o funcionamento de nossa estrutura psíquica pode ajudar a diluir o litígio e exercer o Direito mais eticamente. Assim, é preciso entender, pelo menos, quatro conceitos de psicanálise que são fundamentais para o Direito de família: desejo, inconsciente, sexualidade e gozo.
Desejo é a força motriz do Direito de Família. É qualquer forma de movimento em direção a um objeto, cuja atração espiritual ou sexual é sentida pela alma e pelo corpo. O desejo é a mola propulsora da polaridade amor e ódio, e faz movimentar toda a máquina judiciária em torno, principalmente, dos restos do amor e do gozo. As pessoas se casam, descasam, reconhecem a paternidade, negam-se a pagar pensão alimentícia e outros quando movidas pelo desejo, muitas vezes inconsciente. O desejo não
tem uma essência, ele se desloca constantemente. Desejo é desejo de desejo (Lacan), daí a nossa incompletude e o inexorável vazio, que também nos remete e nos lembra do nosso desamparo estrutural. A grande dor das separações é que aí se depara com este nosso desamparo. Desejo é falta, e paradoxalmente a nossa força motriz. O desejo é o que dá vida à vida do Direito, e em especial ao Direito de Família.
A consideração do inconsciente e do desejo nos faz repensar os conceitos de livre arbítrio e caso. A partir daí não se pode mais atribuir as alegrias, tristezas e mazelas à obra do acaso ou culpar o outro exclusivamente pelo fim de um relacionamento, por exemplo. Isto remete ao Direito uma concepção mais ampla de responsabilidade. As nossas escolhas, o que nos faz ter alegria, sofrer, amar, deixar de amar, são governadas por essa força soberana em nós, que é o inconsciente, que é também desejo, já que o desejo é inconsciente.
Psicanálise e Direito convergem e divergem em vários aspectos, mas se encontram e se completam em seus opostos. Enquanto a Psicanálise é sistema de pensamento, que tem o desejo e o inconsciente, portanto a subjetividade como pilares, o Direito é um sistema de limites, vínculos de vontade e controle das pulsões, que vem trazer a lei jurídica para quem não tem a lei interna, isto é,
quem não contém seus impulsos gozosos.
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